sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Fuso


      Ele, se pudesse, usaria toda a sua força para sair correndo pela bola da Terra e ir pulando, como se fossem obstáculos, cada fuso horário que encontrasse. Ela voaria para além da atmosfera e esperaria o mundo dar três quartos de volta para só então pousar de novo, se fosse conveniente. Se pudessem desaprender a matemática básica, o fariam. É cansativo demais fazer contas de + 6 ou – 6, adicionar 1 para quando é verão, depois subtrair quando for inverno... Fariam, os dois, tudo que fosse necessário para evitar os clichês “o que será que ele está fazendo agora?” ou “será que ela já foi deitar?”.

      Se fossem escolher os próprios sonhos, não escolheriam nada parecido com uma chuva de relógios gigantes ou um afogamento dramático depois de horas a nado. Pensavam constantemente na época em que o tempo era só uma questão de ponteiros, e não de distância. Lembravam-se com saudosismo do privilégio de dividir um mesmo horizonte (que um dia tiveram). A última coisa que pensavam para o próprio futuro, há alguns anos atrás, era isso.

      Mas, por distração do destino, no fim da tarde de uma terça-feira gelada (para ela) e no meio dia da mesma terça-feira geladíssima (para ele), o sol se pôs em um espetáculo único. E quando digo único, não me refiro só à beleza singular do fenômeno, mas ao fato de estar acontecendo ao mesmo tempo para os dois lugares. Para os dois.

      Na teoria, aquele pôr do sol indicava o início de um inverno rigoroso, principalmente para ele. Na cidade onde estava, ele só veria noite por uns bons meses. Mas, na prática, aquele momento tinha reacendido alguma coisa dentro dela e despertado o melhor dos sentimentos para ele. O inverno tinha oficialmente começado, mas, dentro dos dois, era primavera.


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