sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Nostalgia

A hora tinha chegado. As caixas já estavam empilhadas pelos cantos da sala e as malas, enormes e pesadas, estavam no porta-malas. Os móveis já tinham sido retirados e no hall vazio reinava um silêncio nostálgico, recheado de angústia boa. As sombras do fim de tarde se espalhavam pelo chão de madeira e criavam um ambiente propício para aquela despedida. Ela ia partir, ia deixar para trás aquela casa tão querida, aquele jardim onde ela e a mãe tinham trabalhado durante várias manhãs de sábado. Parada naquele cômodo, encostada no vão da porta, ela viajava: lembrava do armário embaixo da escada, que por vezes servira de máquina do tempo para as brincadeiras dela e dos irmãos; da cozinha, iluminada e sempre limpa, onde todas as refeições eram feitas em família; lembrou-se do seu quarto, onde tinha vivido as coisas mais íntimas de sua vida, onde tinha lido os melhores livros de sua lista, onde chorava escondido à noite (mas só de vez em quando). Aquelas paredes eram impregnadas de lembranças, de sonhos, de amor verdadeiro. Ver os corredores sem fotografias e as gavetas vazias de cartas e agendas telefônicas causava uma sensação estranha nela, que não conseguia explicar. Era como se tudo ainda estivesse em seu lugar, como se, a qualquer instante, o telefone fosse tocar e ela teria que correr para atender. E, de fato, tudo estava lá, na sua memória.
Memória. Essa palavra lhe correu pela mente várias vezes durante aquela semana. Desocupar aquela casa e se mudar para outro lugar era como empacotar uma vida inteira de experiências e lembranças, escrever “passado” pelo lado de fora com uma caneta permanente e colocar na prateleira. Tinha até tido sonhos estranhos, com ela montando várias caixas e abrindo sacos e mais sacos para guardar coisas, mas elas nunca acabavam. Empacotava, empacotava, mas quando levantava a cabeça via um corredor infinito de mais coisas para guardar. Acordava quase sem ar.
O motivo verdadeiro de toda aquela comoção já a tinha encontrado, mas ela relutava em percebê-lo. Só que, recostada ali, prestes a trancar a porta da frente daquele castelo, a verdade atacou-a pelas costas e não houve escapatória. Reagira de forma tão melancólica à notícia de ter que deixar a casa porque tinha medo. Trancar aquelas portas significava abandonar o passado e cair, sem bóia, no mar aberto. É claro que a casa ia deixar saudades! Tudo que foi vivido ali dentro não seria esquecido. Mas agora era hora de depositar a sua esperança em coisas novas, de sair do casulo.
Respirou fundo. Tão fundo que o cheiro das margaridas, dos degraus de madeira da escada, dos temperos plantados em mudinhas na beirada da janela, o aroma inconfundível das risadas e dos beijos dados no canto da sala e das confissões feitas para Deus ou para si mesma debaixo daquele teto invadiram suas narinas e ela quis não expirar mais. Guardou a memória daquele olfato como uma criança que fecha a lata com rapidez para prender o ar. Deu duas voltas na chave, caminhou para fora e encostou o pequeno portão.
Agora, pelo retrovisor do carro, podia ver o seu castelo diminuindo, ficando escondido por trás da poeira. “Nada será como antes”, pensou meio aliviada. A noite caiu e, à medida que a estrada avançou, ela percebeu que tinha deixado uma coisa para trás, junto com o corredor infinito de coisas que havia empacotado. Mas, ao contrário do que você e do que ela mesma pensava, ela não voltou para buscar.
O medo podia ficar exatamente onde estava, bastante empoeirado e no canto do hall de entrada.