sábado, 24 de dezembro de 2011

Silêncio

Não sei se isso acontece com todo mundo, mas têm dias que eu sinto que o mundo é cheio demais. E eu não estou falando de multidões em shoppings ou de shows de rock. Aqui mesmo, na minha casa, quando estou sozinha com meu peixe e com o apresentador do jornal da noite, é como se faltasse ar. Sei o quanto isso parece patético, mas enquanto eu não vou me deitar, deixo a tv ligada ou a vitrola tocando. É mais confortável, é como se alguém de fato estivesse aqui.

O que é realmente assustador é quando as luzes se apagam. Sempre tenho a sensação de que o interruptor também controla a quantidade de oxigênio no quarto. Quando o meu corpo encosta na cama, um homem gordo e alto vem e aperta a minha garganta. Fico sem fôlego e minutos depois alguma coisa dentro de mim se expande e eu penso que vou explodir. É como se fosse um outro homem alto e gordo, só que por dentro.

Fico lutando em vão por alguns minutos, tentando conter a situação sozinha, mas as minhas mãos, em um movimento involuntário, deslizam até o celular e eu aperto o botão laranja.

“Oi filha! Não sei se você tem o costume de ouvir essas mensagens, mas vou ter que falar por aqui mesmo, já que você nunca atende o telefone. Eu e sua mãe vamos até o sítio da tia Cláudia amanhã e só voltamos na segunda. Estou avisando só para o caso de você ligar e não encontrar a gente em casa. Não precisa ficar preocupada. Se você puder, avisa pro seu irmão também. Te amamos, boa sorte com a entrevista de amanhã!”

Um pouco de óleo na pista e tudo o que restou da minha família foi essa mensagem de voz. Aperto o repeat até conseguir dormir, se não o homem alto vem me estrangular de novo.

Perdi meu celular há duas semanas. Foi difícil no início, passei uns três dias sem dormir. Quando finalmente me rendi, o homem alto veio e me passou a mão pelos cabelos. Ainda assustada, o senti entrando pelas cobertas e me abraçando delicadamente. Dormi depois de 2 minutos de cafuné.

Hoje em dia, ele nem me parece tão gordo. Hoje em dia, nós somos amigos. Hoje em dia, o levo para todo lugar que eu vou. O mundo continua cheio demais pro meu gosto, mas quando eu estou com o homem alto, as pessoas mantêm distância.
Melhor assim.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Desengano

Por alguns minutos, eu pude realmente acreditar que eu tinha voltado no tempo, que as coisas tinham se restabelecido. Algum passe de mágica, que eu já não lembrava mais qual foi, tinha me trazido de volta para casa, tinha me colocado de novo naquele abraço confortável. Fazia força para lembrar como eu tinha conseguido ir para lá, mas ao mesmo tempo eu não queria. Alguma coisa me dizia que aquilo ia ser curto, ia se esvair como areia entre os dedos.

Pensei que podia ser um sonho, mas já tinha sonhado várias vezes com isso e nenhuma delas tinha sido tão palpável. Cheguei a considerar que tudo fosse um devaneio, dos fortes. Mas a última coisa da qual me lembro é de estar andando no shopping. Se fosse mesmo um devaneio, as pessoas já teriam interferido, já teriam perguntado se eu estou bem ou se eu quero um copo d`água. Digo com essa certeza porque já aconteceu, várias vezes.

Dessa vez era diferente. Eu sentia o calor, eu sentia o gosto. Eu sentia os meus dedos fincados em um braço, tão flexionados que até doíam. A minha panturrilha e os meus dedos latejavam, já que eu estava na ponta dos pés para que as bocas se encontrassem.

Mas porque eu estava segurando o braço com tanta força? Porque eu tinha que ficar na ponta dos pés? Pelo que eu me lembro, a gente tem mais ou menos a mesma altura... E por que a sala da nossa casa tinha ficado tão barulhenta de uma hora para outra?

Abri os olhos e tinha a minha frente um homem completamente estático, enrijecido. Um completo desconhecido. Um pouco do meu cabelo tinha se prendido em sua barba e ele estava visivelmente desconfortável com os meus dedos praticamente atravessando o tríceps dele. Me descolei vagarosamente e olhei em volta, meio que por impulso. Uma menininha, linda, me olhava com dois olhos imensos enquanto agarrava a mão do pai. Algumas pessoas que estavam sentadas no café e que tinham visto a cena desde o início me encaravam com indiscrição.

Eu tinha lançado o meu corpo sobre um estranho e, como se não bastasse, tinha o beijado com voracidade na frente de sua filhinha, de no máximo 4 anos. Hoje, pensando melhor, vejo que a semelhança entre vocês era pouca: no máximo a barba, ou o porte físico.

Só sei que, apesar de ter pedido muitas desculpas àquele homem, eu não me arrependia do que tinha feito. Quando disse que o tinha confundido com outra pessoa, eu estava mentindo. Naquele curto espaço de tempo, aquele homem, para mim, foi você.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Wake up call

_Até que enfim!

_Oi pra você também! Como você tá?

_Eu tô bem, meio cansada só. E você? Porque ficou tanto tempo sem dar notícia?

_Acho que eu queria me certificar de que você ia sentir saudade de mim...

_Humm, idiota... Como vai essa cidade horrível?

_Você nem sabe onde eu tô!

_Força do hábito... Diz que eu errei!

_Não, você acertou... hotel de quinta, chuva desde 5 horas, nada de frigobar.

_Graças a Deus! Você lembra do que fez da última vez?

_Estou tentando afastar essa imagem da minha mente desde o mês passado e agora você fez ela virar uma tela aqui no meu quarto. Tô olhando e perguntando quem pôde ter tanto mau gosto.

_Ah, essa eu sei: foi você mesmo.

_Legal... mas me diz, o que você tá fazendo agora?

_Ai, essa era a última coisa que você podia perguntar...

­_Diz logo.

_Tô comendo brigadeiro, deitada na rede da varando do meu quarto, ouvindo música pop de baixa qualidade, pensando em tudo que eu tenho pra fazer até segunda.

_Terminou, né?

_Terminei... Todo mundo já sabia que isso ia acontecer.

_Pois é, eu terminei também...

_Mas você não tava namorando ninguém, seu babaca.

_Foi só pra você não se sentir sozinha! E muito obrigada pelo babaca.

_De nada.

_Hei, posso dizer o que eu tô fazendo nesse exato momento?

_Se não tiver nada a ver com pornografia ou falta de higiene, pode.

_Então deixa pra lá...

_Que nojo!

_Brincadeira... Estou finalmente lendo aquele livro que você me deu no meu último aniversário e cheguei a uma conclusão que mudou minha vida.

_Que legal! Que conclusão é essa?

_Eu saquei que, no final das contas, eu vou casar com você, mas que antes disso acontecer, você ainda vai me chamar muitas vezes de idiota e eu vou passar por diversas garotas erradas.

_Posso te chamar de idiota agora para contribuir com a sua cota?

_Eu ficaria lisonjeado. Aliás, estou até pensando em descer para o bar para encontrar várias garotas erradas de uma vez... você sabe, estou ansioso pro nosso casamento.

_Meu vizinho acabou de aparecer sem camisa na varanda dele... você acha que eu também tenho direito a alguns garotos errados nessa história?

_Você tá querendo me deixar com ciúmes, é isso?

_Acabei de acenar pra ele!

_Ok, you won. Não vou pro bar mais. Vou continuar lendo o nosso livro aqui, embaixo da coberta.

_Melhor assim...

_Já vou te deixar em paz. Só diz que me ama pra eu poder dormir mais tranquilo...

_Lá vai mais um: idiota!

_Não, agora eu tô falando sério... parece meio clichê, mas eu queria muito ouvir que você me ama. Eu tô tão sozinho aqui e a primeira pessoa pra quem eu penso em ligar é você, sempre! E você sabe que você é uma das únicas pessoas com quem eu ainda me importo de verdade nesse mundo, e eu...

_Amo muito você.

_Brigado, também te amo muito. Fica com Deus e vê se esquece aquele babaca.

_Já tô esquecendo... agora eu estou focada em planejar nosso casamento. Fica com Deus também e vê se esquece que aquele bar existe.

_Ok, boa noite.

_Boa noite.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Banquete

É se sentir sozinho quando há vários amigos em volta. É abraçar um desconhecido e querer ficar lá, semimorto entre os braços da pessoa. É ver vários filmes e não conseguir se identificar com personagem nenhum. É estar tão apático que nem chorar consegue mais. É estar tão afundado e sufocado que nem dá vontade de vir à tona para dar umas respiradas. É ouvir palavras e palavras e palavras e nem se interessar em encontrar significados para elas. É ter um colchão muito pesado em cima do peito, com crianças pulando em cima sem parar. É não conseguir nadar nem a favor da maré. É querer fechar os olhos no meio de uma conversa ou se imaginar deitado no asfalto quente que tem ali perto. É levar uma rasteira da sua última esperança. É estar tão costurado na realidade que levantar vôo pro céu de estrelas não é mais possível. É notar que você já não respira faz tempo, só que continua boiando entre a superfície e o fundo. É ver a linha de chegada sair correndo sempre que você chega perto. É se deparar com um você que não acredita mais nas histórias que você conta. É perceber que, em um banquete de sentimentos, você se serviu dos piores, dos mais fúteis, dos mais mesquinhos, e que engoliu cada um deles com boca de glutão, nem digeriu. É se sentir a peça menos importante de um quebra cabeças, tipo aquele pedacinho de céu que é igual a vários outros. É se sentir ridículo, extremamente desconfortável com essa versão de você mesmo que você criou. Ou que as pessoas criaram, sei lá.