sábado, 17 de dezembro de 2011

Desengano

Por alguns minutos, eu pude realmente acreditar que eu tinha voltado no tempo, que as coisas tinham se restabelecido. Algum passe de mágica, que eu já não lembrava mais qual foi, tinha me trazido de volta para casa, tinha me colocado de novo naquele abraço confortável. Fazia força para lembrar como eu tinha conseguido ir para lá, mas ao mesmo tempo eu não queria. Alguma coisa me dizia que aquilo ia ser curto, ia se esvair como areia entre os dedos.

Pensei que podia ser um sonho, mas já tinha sonhado várias vezes com isso e nenhuma delas tinha sido tão palpável. Cheguei a considerar que tudo fosse um devaneio, dos fortes. Mas a última coisa da qual me lembro é de estar andando no shopping. Se fosse mesmo um devaneio, as pessoas já teriam interferido, já teriam perguntado se eu estou bem ou se eu quero um copo d`água. Digo com essa certeza porque já aconteceu, várias vezes.

Dessa vez era diferente. Eu sentia o calor, eu sentia o gosto. Eu sentia os meus dedos fincados em um braço, tão flexionados que até doíam. A minha panturrilha e os meus dedos latejavam, já que eu estava na ponta dos pés para que as bocas se encontrassem.

Mas porque eu estava segurando o braço com tanta força? Porque eu tinha que ficar na ponta dos pés? Pelo que eu me lembro, a gente tem mais ou menos a mesma altura... E por que a sala da nossa casa tinha ficado tão barulhenta de uma hora para outra?

Abri os olhos e tinha a minha frente um homem completamente estático, enrijecido. Um completo desconhecido. Um pouco do meu cabelo tinha se prendido em sua barba e ele estava visivelmente desconfortável com os meus dedos praticamente atravessando o tríceps dele. Me descolei vagarosamente e olhei em volta, meio que por impulso. Uma menininha, linda, me olhava com dois olhos imensos enquanto agarrava a mão do pai. Algumas pessoas que estavam sentadas no café e que tinham visto a cena desde o início me encaravam com indiscrição.

Eu tinha lançado o meu corpo sobre um estranho e, como se não bastasse, tinha o beijado com voracidade na frente de sua filhinha, de no máximo 4 anos. Hoje, pensando melhor, vejo que a semelhança entre vocês era pouca: no máximo a barba, ou o porte físico.

Só sei que, apesar de ter pedido muitas desculpas àquele homem, eu não me arrependia do que tinha feito. Quando disse que o tinha confundido com outra pessoa, eu estava mentindo. Naquele curto espaço de tempo, aquele homem, para mim, foi você.

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