O rubor já tinha começado a desaparecer das bochechas dela e
o coração já tinha adotado uma batida mais resignada, quando a porta do
elevador se abriu e ele saiu de cabeça baixa, carregado de sacolas. A falta de
resposta às várias batidas que ela havia dado na porta dele tinha causado uma
mistura de emoções que ela não conseguia processar: metade dela sentia alívio,
a outra também; depois, uma outra metade apareceu, absolutamente decepcionada e
esperando dar um destino a todas aquelas palavras ensaiadas; no final das
contas, o contentamento já tinha se instalado e ela caminhava até o início do
corredor refazendo os planos que já estavam tão bem arrematados.
Aquela aparição inesperada tinha lhe tirado o rumo (mais uma
vez), como quando um ímã se aproxima da bússola. A cabeça permaneceu baixa, mas
ela sabia que já tinha sido notada. Teve a confirmação quando ele olhou para
cima com uma expressão “feita”, uma máscara de indiferença muito mal ajustada,
que não convencia, mas machucava de qualquer forma. Os olhos eram duros de
julgamento e a boca quase gritava um insulto só através da maneira como estava
fechada. As sobrancelhas arqueadas, severas, não combinavam com o tom de pele
claro e rosado nas bochechas, agora cobertas com uma barba mal feita.
As primeiras palavras trocadas não valem a pena serem
transcritas. Nada além de um roteiro de filme barato, cheio de “porquês” e “você
não tinha o direito”. Mas, quando as palavras ensaiadas acabaram, algo
realmente sincero saiu da boca dela:
-Olha, eu não sei por que essa discussão começou. Eu vim
aqui disposta a aceitar qualquer culpa, a engolir o orgulho e a pedir
desculpas. Só desculpas. Você não foi o motivo de eu ter ido embora, você não
tinha nada a ver com isso, pra falar a verdade. E Deus sabe como você me fez
falta esse tempo todo! (silêncio constrangedor pós-revelação que ela
considerava muito íntima) Não quero que você diga nada, eu só precisava vir
aqui e mostrar um pouco de humilhação e arrependimento (que são as duas coisas
que eu mais odeio demonstrar no mundo, e você sabe disso). Eu precisava disso
para continuar.
Os dois ficaram se olhando por um bom tempo e então
ele começou a andar em sua direção. Ela ficou se perguntando o que aquilo
queria dizer. As sacolas balançavam em sua mão e pareciam pesadas demais. Ele
ia abraçá-la? Ele ia se aproximar só para insultá-la mais de perto? Ou ele queria
que o NÃO fosse mais audível? Ao contrário das expectativas, ele se desviou pouco
antes de chegar à frente dela e passou direto. De costas, ela pôde ouvi-lo pousando
algumas sacolas no chão, pegando as chaves do bolso e abrindo a porta com um
pequeno estardalhaço.
Uma das poucas coisas que tinha aprendido em todo
aquele tempo de relacionamento era a interpretar pequenos gestos, e aquela postura
não soava nada bem. Ela tinha falhado, mais uma vez. Já estava preparada para
uma entrada rápida e uma batida violenta de porta, mas tudo que sentiu foi um
vento leve soprando a saia. Vinha da janela da sala, oposta à porta principal. Ela
se manteve de costas com os olhos fechados, esperando o estrondo da porta e uma
lufada de vento ainda mais forte, mas tudo que recebeu foi mais um pouco daquela
brisa fazendo brincadeiras com a sua saia. Virou-se devagar e encontrou a porta
azul aberta, com as chaves balançando pelo lado de dentro.
Esse conto me veio à cabeça enquanto eu via esse filme esquisitinho e legal