domingo, 9 de setembro de 2012

Ar


      O rubor já tinha começado a desaparecer das bochechas dela e o coração já tinha adotado uma batida mais resignada, quando a porta do elevador se abriu e ele saiu de cabeça baixa, carregado de sacolas. A falta de resposta às várias batidas que ela havia dado na porta dele tinha causado uma mistura de emoções que ela não conseguia processar: metade dela sentia alívio, a outra também; depois, uma outra metade apareceu, absolutamente decepcionada e esperando dar um destino a todas aquelas palavras ensaiadas; no final das contas, o contentamento já tinha se instalado e ela caminhava até o início do corredor refazendo os planos que já estavam tão bem arrematados.

      Aquela aparição inesperada tinha lhe tirado o rumo (mais uma vez), como quando um ímã se aproxima da bússola. A cabeça permaneceu baixa, mas ela sabia que já tinha sido notada. Teve a confirmação quando ele olhou para cima com uma expressão “feita”, uma máscara de indiferença muito mal ajustada, que não convencia, mas machucava de qualquer forma. Os olhos eram duros de julgamento e a boca quase gritava um insulto só através da maneira como estava fechada. As sobrancelhas arqueadas, severas, não combinavam com o tom de pele claro e rosado nas bochechas, agora cobertas com uma barba mal feita.

      As primeiras palavras trocadas não valem a pena serem transcritas. Nada além de um roteiro de filme barato, cheio de “porquês” e “você não tinha o direito”. Mas, quando as palavras ensaiadas acabaram, algo realmente sincero saiu da boca dela:

      -Olha, eu não sei por que essa discussão começou. Eu vim aqui disposta a aceitar qualquer culpa, a engolir o orgulho e a pedir desculpas. Só desculpas. Você não foi o motivo de eu ter ido embora, você não tinha nada a ver com isso, pra falar a verdade. E Deus sabe como você me fez falta esse tempo todo! (silêncio constrangedor pós-revelação que ela considerava muito íntima) Não quero que você diga nada, eu só precisava vir aqui e mostrar um pouco de humilhação e arrependimento (que são as duas coisas que eu mais odeio demonstrar no mundo, e você sabe disso). Eu precisava disso para continuar.

      Os dois ficaram se olhando por um bom tempo e então ele começou a andar em sua direção. Ela ficou se perguntando o que aquilo queria dizer. As sacolas balançavam em sua mão e pareciam pesadas demais. Ele ia abraçá-la? Ele ia se aproximar só para insultá-la mais de perto? Ou ele queria que o NÃO fosse mais audível? Ao contrário das expectativas, ele se desviou pouco antes de chegar à frente dela e passou direto. De costas, ela pôde ouvi-lo pousando algumas sacolas no chão, pegando as chaves do bolso e abrindo a porta com um pequeno estardalhaço.

      Uma das poucas coisas que tinha aprendido em todo aquele tempo de relacionamento era a interpretar pequenos gestos, e aquela postura não soava nada bem. Ela tinha falhado, mais uma vez. Já estava preparada para uma entrada rápida e uma batida violenta de porta, mas tudo que sentiu foi um vento leve soprando a saia. Vinha da janela da sala, oposta à porta principal. Ela se manteve de costas com os olhos fechados, esperando o estrondo da porta e uma lufada de vento ainda mais forte, mas tudo que recebeu foi mais um pouco daquela brisa fazendo brincadeiras com a sua saia. Virou-se devagar e encontrou a porta azul aberta, com as chaves balançando pelo lado de dentro.


Esse conto me veio à cabeça enquanto eu via esse filme esquisitinho e legal