quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fatal


     E então, em meio a um abraço, meu punhal perfurou pele, gordura, músculos, abriu algumas dezenas de vasos sanguíneos e finalmente encontrou os tecidos vitais que procurava, causando um estrago quase instantaneamente fatal.
     O corpo mole caiu aos meus pés e a roupa de linho branco, ensopada de sangue, estava colada na ferida recém-aberta.  A respiração se manteve calma até o momento em que o líquido obstruiu a garganta e passou a também sair pela boca, formando um filete vermelho vivo no canto do lábio.
     Ciente do meu êxito, olhei para o rosto da vítima durante os seus últimos segundos. Os cantos da boca lentamente se curvaram para cima e os olhos cintilavam com um brilho meio tétrico, como se desejassem aquele momento. Ela queria ser morta.
     Talvez não tanto quanto eu queria matá-la. Saudade.

sábado, 2 de junho de 2012

Solidão é saudade de alguém que nunca existiu


    Ontem, quando cruzou aquela avenida, sentiu solidão. Parecia que área de seu corpo que envolve o coração estava se encolhendo devagar e sendo empurrada pra dentro, mas tudo continuava estável pelo lado de fora. Nos primeiros minutos, soou como uma melancolia saudável, aquela tristeza leve que a gente sente às vezes, quando está sozinho, e que passa assim que lembramos de alguma coisa boa. Essa solidão faz até bem, pensava ela. Faz você se sentir um personagem de filme ou de livro, que sempre toma as decisões mais importantes do enredo enquanto anda sozinho pelas ruas ou toma uma bebida amarga no balcão de um bar vazio.
    O problema é que, ontem, não havia decisão a ser tomada, não havia uma ligação importante a ser feita. Não havia sequer uma tristeza boa para ser lembrada ou um passado negro a ser remoído. As tolices da adolescência, que costumavam diverti-la e até mesmo inspirá-la, viraram apenas tolices e lembranças das quais se envergonhar. Entre uma passada e outra, tudo se tornara ridículo, fútil, intragável, sem propósito: as roupas, o jeito que tinha prendido o cabelo, a mensagem que tinha mandado para o amigo que já não via há tempos (e que não tinha sido respondida), o flerte com o desconhecido no ônibus. É incrível como alguns minutos desse sentimento podem fazer você se arrepender de tudo que fez nas últimas 48 horas. É como se você mesmo se tornasse o único espectador de todos os seus atos e decisões e julgasse cada palavra, cada movimento.
    Dessa vez, não era solidão Hollywoodiana. Não havia o que ser feito.
    Agora, pelo menos, ela tinha uma explicação: solidão é saudade de alguém que nunca existiu.