Ele, se pudesse, usaria toda a
sua força para sair correndo pela bola da Terra e ir pulando, como se fossem
obstáculos, cada fuso horário que encontrasse. Ela voaria para além da
atmosfera e esperaria o mundo dar três quartos de volta para só então pousar de
novo, se fosse conveniente. Se pudessem desaprender a matemática básica, o
fariam. É cansativo demais fazer contas de + 6 ou – 6, adicionar 1 para quando
é verão, depois subtrair quando for inverno... Fariam, os dois, tudo que fosse
necessário para evitar os clichês “o que será que ele está fazendo agora?” ou
“será que ela já foi deitar?”.
Se fossem escolher os próprios
sonhos, não escolheriam nada parecido com uma chuva de relógios gigantes ou um
afogamento dramático depois de horas a nado. Pensavam constantemente na época
em que o tempo era só uma questão de ponteiros, e não de distância.
Lembravam-se com saudosismo do privilégio de dividir um mesmo horizonte (que um
dia tiveram). A última coisa que pensavam para o próprio futuro, há alguns anos atrás, era isso.
Mas, por distração do destino, no fim da tarde de uma
terça-feira gelada (para ela) e no meio dia da mesma terça-feira geladíssima
(para ele), o sol se pôs em um espetáculo único. E quando digo único, não me
refiro só à beleza singular do fenômeno, mas ao fato de estar acontecendo ao
mesmo tempo para os dois lugares. Para os dois.
Na teoria, aquele pôr do sol indicava o início de um inverno
rigoroso, principalmente para ele. Na cidade onde estava, ele só veria noite
por uns bons meses. Mas, na prática, aquele momento tinha reacendido alguma
coisa dentro dela e despertado o melhor dos sentimentos para ele. O inverno
tinha oficialmente começado, mas, dentro dos dois, era primavera.