quarta-feira, 1 de outubro de 2014

1. (miss)placed

A robusta mesa de madeira se estendia sob os seus cotovelos. As mãos estavam levemente entrelaçadas na altura do queixo e o copo d’água que ela acabara de encher continuava intacto logo ao lado. Os olhos caídos, quase fechados, fitavam a cozinha recém-reformada com a sensação estranha de não lembrar como era antes.

Então entra um alguém, que caminha em volta da mesa, abre os armários em busca de algo e depois se senta do lado oposto. Se não fosse pela familiaridade com a localização das coisas e a intimidade com que explorava o lugar, o julgaria por um desconhecido, com feições e trejeitos absolutamente estranhos.

Olhou em seu rosto e tentou subtrair as finas linhas em volta dos olhos, os primeiros cabelos brancos que coroavam o topo de sua cabeça. Retirou com os olhos o pijama velho que o cobria para encontrar costas, pelos, braços que ela talvez conhecesse. O jeito com que ele a olha de volta não deixa nenhuma pista e ela não sabe distinguir se por efeito da indiferença ou da intimidade.

A paisagem enquadrada pela janela é bonita e ela também a observa como se desembrulhasse um presente. Nuvens cinza avançam no horizonte, longe, e o vento sopra forte a ponto de empurrar uma das bandas da janela. O estrondo acorda os sentidos e ela se vê refletida em um dos quadradinhos de vidro. Uma mulher, desconhecida. 

Elas se entreolham e uma mistura de medo e nostalgia a invade, aos poucos, em pequenas doses. Ela conhece aquela cozinha, aquele homem, aquela paisagem, aquela mulher. 

Nada mudou.

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