Você era a sua voz. Durante os 4 meses que estive cego e que você cuidou de mim, a minha figura era a de um homem enrugado pelo fogo, deitado imóvel na cama com os olhos esbugalhados, vermelhos. Você não tinha imagem. O timbre da sua voz e a sua respiração não se encaixavam em nenhuma silhueta possível e a minha cabeça não encontrou outro caminho senão te associar a cores.
Você era as suas mãos. Durante os 4 meses que estive cego e que você cuidou de mim, as suas mãos foram o meu atalho para a dor e o alívio. Os seus movimentos rápidos e precisos me fizeram curativos, me alimentaram, mediram minha temperatura, me deitaram à noite, e eu sonhava um mergulho em mar aberto, o sal abrindo as minhas feridas.
Você era as suas cicatrizes. Durante os 4 meses que estive cego e que você cuidou de mim, eu descobri, além da sua voz e das suas mãos, a cordilheira que você cultivara no peito. Com a ponta dos dedos eu li a sua história e não me senti mais sozinho. As suas marcas não eram queimaduras como as minhas, mas eram marcas de outro fogo, um que nunca para de queimar. Então, com as minhas mãos, eu segurei o seu rosto minúsculo e com a minha voz, eu beijei a sua. E foi como um mergulho em alto mar, o sal curando as feridas.
Você era o seu silêncio. Durante 4 meses eu estive cego, agora eu posso ver.